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Morre Nelson Mandela
06/12/2013
Aos 95 anos de idade, desaparece um dos libertadores da África Colonizada e um dos últimos campeões africanos que lutou contra o colonialismo europeu. Nelson Mandela, nascido em 18 de julho de 1918 na cidade de Qunu (África do Sul), pertenceu a uma geração formidável de rebeldes e revolucionários terceiro-mundistas que emergiu no após-Segunda Guerra Mundial. A meta deles era simples: livrar seus países, e milhões de africanos, do domínio estrangeiro, do jugo do homem branco. Algo que se prolongava desde o século 16 e, de modo mais intenso, no transcorrer do século 19.
Por primeiro, os europeus vieram na forma de traficantes de especiarias e escravos, plantando inúmeras feitorias no litoral da África Ocidental, principalmente no golfo de Guiné e de Angola. Assim por alto, se acredita que sugaram do solo africano 9 milhões de homens e mulheres, levados sob ameaça do chicote para diversas partes do Novo Mundo nos porões tétricos e fétidos dos navios negreiros, expondo as páginas mais terríveis da história da humanidade em qualquer tempo.
Acicatados pela competição, as principais potências colonialistas da Europa (Grã-Bretanha, França, Alemanha, Portugal, Bélgica e Itália), pelas alturas da segunda metade do século 19, tratam de, cada uma, reservar um naco do território africano. O interior do Continente Negro, ainda não devassado, foi conquistado por expedições organizadas a partir do litoral. No final daquele século, a África por inteiro havia sido retalhada pelos europeus que, cada um a seu modo, fixaram as respectivas fronteiras das suas possessões.
Desta feita, com a supressão geral da escravidão no Mundo Ocidental, a partir de 1848, eram os recursos minerais e agrícolas que interessavam aos exploradores forâneos. Em grilhões, a África, "colônia de todas as metrópoles", permaneceu assim até o pós-Segunda Guerra Mundial.
Eviscerado, exausto e abatido por duas grandes guerras, a de 1914-1918 e a de 1939-1945, o Poder Colonial começou a enfraquecer. Aproveitando-se da hesitação do braço do feitor, milhares de africanos começaram a se mobilizar em favor da libertação do seu infeliz continente. Surgiram então, por todos os lados, os líderes que iriam insuflar as massas colonizadas à rebelião: Ahmed Sékou Touré, Félix Houphouët-Boigny, Kwame Nkrumah, Robert Mugabe, Julius Nyerere, Patrice Lumumba, Jomo Kenyatta, Samora Machel, José Eduardo dos Santos e, entre eles, Nelson Mandela. No panorama internacional, ele foi precedido por Mahatma Gandhi, o libertador da Índia, e pelo reverendo norte-americano Martin Luther King, seu contemporâneo, que liderou o movimento pelos Direitos Humanos a favor dos negros americanos (1956-1968).
Apartheid, a peculiaridade da África do Sul
Enquanto a maioria dos líderes emancipadores obtinha sucesso (a maioria das novas nações africanas conseguira a independência entre 1956 e 1975), a África do Sul mantinha-se na mesma. Uma minoria de brancos de origem inglesa e holandesa (os descendentes dos bôeres), prevenindo-se, desde 1948 instituíram o regime do Apartheid ("separação"). Os brancos, 1/5 da população, eram os donos das terras, dos negócios, das minas e da vida política na sua totalidade. Os africanos foram relegados oficialmente a uma posição de inferioridade social absoluta. Não tinham cidadania nem direitos outros.
O regime que Hitler ambicionava impor na Europa, baseado na raça, derrotado em 1945, renascia pelas mãos dos brancos sul-africanos. Sustentaram-no abertamente tanto o Reino Unido como os Estados Unidos. O motivo que "os defensores do Mundo Livre" alegaram, aceitando os argumentos dos racistas, era de que num mundo dividido entre o capitalismo e o comunismo, uma emancipação dos africanos certamente corresponderia a uma vitória estratégica e ideológica da URSS. Evidentemente, contou nesta atitude deles de "fechar de olhos" para as injustiças do segregacionismo o fato de a África do Sul, controlada pelos brancos anticomunistas, possuir um manancial de riquezas sem fim (ouro, platina, diamantes, minerais estratégicos etc.), o que fez com que as pressões externas para por fim àquele regime iníquo terem sido atenuadas.
Nelson Mandela, que integrava o Conselho Nacional Africano (fundado em 1942), convertido à estratégia da luta armada contra o regime odioso, foi condenado à prisão perpétua em 1964. Enquanto a maioria dos estados africanos celebrava sua emancipação, Mandela viu-se confinado ao cárcere da ilha Robben. Tornou-se um símbolo mundial da resistência ao Apartheid.
Só o libertaram em fevereiro de 1990, 26 anos depois da condenação. Com o fim da Guerra Fria e devido ao enorme peso que a opinião pública ocidental exerceu sobre o regime segregacionista sul-africano, ameaçando retirar seus investimentos do país, o racismo tornado instituição viu-se sitiado por uma insuperável pressão. Com o desaparecimento da ameaça comunista, o pretexto usado pelos defensores do Apartheid esfumaçara-se. Um raro encontro entre a Consciência e o Dinheiro pôs fim à odiosa estrutura do regime.
A conciliação das raças
Anunciando uma política de conciliação entre as raças e as classes, Mandela, conhecido pelos seus como Madiba, consagrou-se como o primeiro africano a assumir a presidência do país em 17 de abril de 1994. Não pregou a vingança contra seus opressores brancos, mas a integração deles numa sociedade democrática que fora marcada pela desigualdade racial.
Galardoado como Prêmio Nobel da Paz, em 1993, teve a sabedoria de manter os brancos no país, visto que eram eles que detinham as propriedades bem como o saber tecnológico e o conhecimento no sentido mais amplo. A ideia dele era executar um projeto de gradativa transferência daqueles poderes e saberes, a começar pelo poder político, para as mãos dos nativos, tornando-os cada vez mais aptos e habilitados no gerenciamento do país no futuro, evitando deste modo que a nação multirracial afundasse no caos econômico e na desordem.
Aproximam-se os 20 anos da estratégia adotada por Mandela e a expectativa é de que o seu desaparecimento não provoque nada que lembre um "acerto de contas" com o passado, abrindo as portas para um banho de sangue. Se isto ocorrer, ficaria manchada para sempre a solução da conciliação racial entre brancos e negros. Política que, até agora, tem se mostrado capaz de manter a estabilidade interna e a prosperidade da África do Sul.
Fonte: Terra
Por primeiro, os europeus vieram na forma de traficantes de especiarias e escravos, plantando inúmeras feitorias no litoral da África Ocidental, principalmente no golfo de Guiné e de Angola. Assim por alto, se acredita que sugaram do solo africano 9 milhões de homens e mulheres, levados sob ameaça do chicote para diversas partes do Novo Mundo nos porões tétricos e fétidos dos navios negreiros, expondo as páginas mais terríveis da história da humanidade em qualquer tempo.
Acicatados pela competição, as principais potências colonialistas da Europa (Grã-Bretanha, França, Alemanha, Portugal, Bélgica e Itália), pelas alturas da segunda metade do século 19, tratam de, cada uma, reservar um naco do território africano. O interior do Continente Negro, ainda não devassado, foi conquistado por expedições organizadas a partir do litoral. No final daquele século, a África por inteiro havia sido retalhada pelos europeus que, cada um a seu modo, fixaram as respectivas fronteiras das suas possessões.
Desta feita, com a supressão geral da escravidão no Mundo Ocidental, a partir de 1848, eram os recursos minerais e agrícolas que interessavam aos exploradores forâneos. Em grilhões, a África, "colônia de todas as metrópoles", permaneceu assim até o pós-Segunda Guerra Mundial.
Eviscerado, exausto e abatido por duas grandes guerras, a de 1914-1918 e a de 1939-1945, o Poder Colonial começou a enfraquecer. Aproveitando-se da hesitação do braço do feitor, milhares de africanos começaram a se mobilizar em favor da libertação do seu infeliz continente. Surgiram então, por todos os lados, os líderes que iriam insuflar as massas colonizadas à rebelião: Ahmed Sékou Touré, Félix Houphouët-Boigny, Kwame Nkrumah, Robert Mugabe, Julius Nyerere, Patrice Lumumba, Jomo Kenyatta, Samora Machel, José Eduardo dos Santos e, entre eles, Nelson Mandela. No panorama internacional, ele foi precedido por Mahatma Gandhi, o libertador da Índia, e pelo reverendo norte-americano Martin Luther King, seu contemporâneo, que liderou o movimento pelos Direitos Humanos a favor dos negros americanos (1956-1968).
Apartheid, a peculiaridade da África do Sul
Enquanto a maioria dos líderes emancipadores obtinha sucesso (a maioria das novas nações africanas conseguira a independência entre 1956 e 1975), a África do Sul mantinha-se na mesma. Uma minoria de brancos de origem inglesa e holandesa (os descendentes dos bôeres), prevenindo-se, desde 1948 instituíram o regime do Apartheid ("separação"). Os brancos, 1/5 da população, eram os donos das terras, dos negócios, das minas e da vida política na sua totalidade. Os africanos foram relegados oficialmente a uma posição de inferioridade social absoluta. Não tinham cidadania nem direitos outros.
O regime que Hitler ambicionava impor na Europa, baseado na raça, derrotado em 1945, renascia pelas mãos dos brancos sul-africanos. Sustentaram-no abertamente tanto o Reino Unido como os Estados Unidos. O motivo que "os defensores do Mundo Livre" alegaram, aceitando os argumentos dos racistas, era de que num mundo dividido entre o capitalismo e o comunismo, uma emancipação dos africanos certamente corresponderia a uma vitória estratégica e ideológica da URSS. Evidentemente, contou nesta atitude deles de "fechar de olhos" para as injustiças do segregacionismo o fato de a África do Sul, controlada pelos brancos anticomunistas, possuir um manancial de riquezas sem fim (ouro, platina, diamantes, minerais estratégicos etc.), o que fez com que as pressões externas para por fim àquele regime iníquo terem sido atenuadas.
Nelson Mandela, que integrava o Conselho Nacional Africano (fundado em 1942), convertido à estratégia da luta armada contra o regime odioso, foi condenado à prisão perpétua em 1964. Enquanto a maioria dos estados africanos celebrava sua emancipação, Mandela viu-se confinado ao cárcere da ilha Robben. Tornou-se um símbolo mundial da resistência ao Apartheid.
Só o libertaram em fevereiro de 1990, 26 anos depois da condenação. Com o fim da Guerra Fria e devido ao enorme peso que a opinião pública ocidental exerceu sobre o regime segregacionista sul-africano, ameaçando retirar seus investimentos do país, o racismo tornado instituição viu-se sitiado por uma insuperável pressão. Com o desaparecimento da ameaça comunista, o pretexto usado pelos defensores do Apartheid esfumaçara-se. Um raro encontro entre a Consciência e o Dinheiro pôs fim à odiosa estrutura do regime.
A conciliação das raças
Anunciando uma política de conciliação entre as raças e as classes, Mandela, conhecido pelos seus como Madiba, consagrou-se como o primeiro africano a assumir a presidência do país em 17 de abril de 1994. Não pregou a vingança contra seus opressores brancos, mas a integração deles numa sociedade democrática que fora marcada pela desigualdade racial.
Galardoado como Prêmio Nobel da Paz, em 1993, teve a sabedoria de manter os brancos no país, visto que eram eles que detinham as propriedades bem como o saber tecnológico e o conhecimento no sentido mais amplo. A ideia dele era executar um projeto de gradativa transferência daqueles poderes e saberes, a começar pelo poder político, para as mãos dos nativos, tornando-os cada vez mais aptos e habilitados no gerenciamento do país no futuro, evitando deste modo que a nação multirracial afundasse no caos econômico e na desordem.
Aproximam-se os 20 anos da estratégia adotada por Mandela e a expectativa é de que o seu desaparecimento não provoque nada que lembre um "acerto de contas" com o passado, abrindo as portas para um banho de sangue. Se isto ocorrer, ficaria manchada para sempre a solução da conciliação racial entre brancos e negros. Política que, até agora, tem se mostrado capaz de manter a estabilidade interna e a prosperidade da África do Sul.
Fonte: Terra